\\ Pesquise no Blog

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Sobre o processo de montagem de NÃO DOIS

Começou como conclusão de uma disciplina curricular do curso de Artes Cênicas: Direção Teatral da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ – no qual sou aluno. Cumpriu suas únicas três apresentações em dezembro de 2009 e realizou uma temporada em junho, na Sala Paraíso do Teatro Municipal Carlos Gomes, no Rio de Janeiro.

Partimos do texto PASO DE DOS do excelente dramaturgo argentino Eduardo Pavlovsky. O nome do espetáculo acabou se tornando NÃO DOIS, que por sua vez, surgiu de uma tradução do título em francês da peça, PAS-DE-DEUX. O “pas” em francês é uma partícula de negação e a encenação que construímos parte de um esforço para quebrar a dicotomia que se instaura sob variadas formas e nos impede de ver a complexidade da vida, de entrar em contato com ela.

Assim, esta encenação apresenta uma relação entre um homem – ELE – e uma mulher – ELA. Uma relação que chegou ao fim. Parte da vontade de investigar a possibilidade do horror e do afeto num mesmo gesto. Tem a ver com pontos de vista. Não desejamos dizer o que é e o que não é, mas sugerir, atentar para o fato de sermos sujeitos às interpretações. Atentar para o fato de que não detemos em nós sentido algum.

Encontramos no ditado popular QUEM CALA CONSENTE o mote de partida. O texto apresentava uma situação de violência entre um homem e uma mulher, entre aqueles que seriam, respectivamente, um torturador e uma torturada. Na dramaturgia, o homem exige da mulher o seu reconhecimento e ela cala. Ela tem o corpo por ele destruído, mas cala, não lhe dá seu reconhecimento. Em outras palavras, ela – apesar de calar – não consente o que lhe é exigido. Esse texto, portanto, me fez pensar na expressão “nem sempre”. E a encenação NÃO DOIS é uma tentativa de inserir dentro do ditado popular esta expressão, como se quiséssemos dizer que quem cala nem sempre consente.

Servimo-nos de improvisações buscando relações distintas entre as duas personagens. Partimos de composições físicas em primeiro plano e, depois, do encontro entre uma partitura e um texto. O processo pôde se desenvolver quando percebemos como o embate entre expressão física e verbal era rico. Como poderíamos dificultar uma leitura mais literal em troca de sugestão, em troca da requisição do público enquanto cúmplice dos fatos postos em cena.

O trabalho de construção das cenas se pautou na feitura de composições. Era solicitado aos atores que executassem uma composição na qual eles deveriam inserir todos os itens que eu havia colocado numa lista. A obrigatoriedade no cumprimento dos itens determina uma cena quase sempre muito distinta, porque exigia aos atores a soma de ingredientes por vezes extremamente dificultosos de serem somados. Eram momentos propícios para a gênese do contraditório, como costumo dizer.

Em cena, optamos por uma partitura que se repete inúmeras vezes pela dupla de atores. Ora estão juntos, ora em separado. Com variações de direção, ritmo, intenção. A partitura é o desenho dessa relação que hoje não existe mais. A partitura como tentativa de evocar pelo movimento a vida já perdida, acabada. O esforço da repetição. A tentativa de lembrar daquilo que não existe mais, mas que, no entanto, preencheu duas vidas.

Por Diogo Liberano