18 de novembro de 2009 - Sala 504 (UNIRIO) -10h/14h
dan marins, diogo liberano e natássia vello.
. finalmente começamos o trabalho do movimento mais difícil na minha opinião, o segundo, intitulado MEMÓRIA;
. na noite anterior, saí do ensaio e fui jantar sozinho num bar aqui perto de casa e enquanto esperava a refeição (e durante o jantar) fiz algo que nunca costumo fazer, mas que foi extremamente útil neste altura do jogo. abri meu caderno com o texto em mãos e entendi uma possível marcação/jogo para o segundo movimento. fui pegando fala por fala e buscando estímulos mais concretos para os atores. estímulos que trouxessem a eles alguma verdade já vivida, alguma experiência já trocada. uma forma de ser mais psicológico e menos formal (algo que está tornando o processo bem complicado e interessante, ao mesmo tempo);
. neste movimento, acredito eu, na fala d'ELE intitulada O MONÓLOGO DO PAI (que é quando ele conta novamente para ELA sobre um caso traumático da infância d'ELE), ELA consegue sair da estrutura (que o Dan resolveu chamar de ESTORTURA) e se reconhece morta. ou seja, o segundo movimento é aquele na qual ELA se desprende de seu corpo para ver que o mesmo morreu;
. ao chegar na sala de ensaio, propûs ao dan o trabalho com posições físicas, um trabalho com "estátuas", ou seja, ele assumiria composições do corpo variadas e depois, eu organizaria estas e teríamos um desenho corporal para o segundo movimento. a maioria das posições afetou gravemente a voz dele, fazendo com que o tom da cena mudasse drasticamente, substituindo uma possível gritaria por uma fala mais contida, mais interiorizada;
. ao término do ensaio, conseguimos levantar o segundo movimento. ainda pensando em revelação, no MONÓLOGO DO PAI (que eu descobri se tratar de um caso da vida do dramaturgo Eduardo Pavlovsky, em seu livro, A MULTIPLICAÇÃO DRAMÁTICA), eu acredito que a personagem feminina encontra espaço para a sua saída do corpo, é quando a sua morte se concretiza. daí, me surgiu a idéia de selecionar algumas frases e pedir à natássia que as roubasse do dan. a cada frase roubada, um braço da estrutura seria aberto;
. é complicado explicar tudo aqui. depois quero acrescentar fotos. segue o trecho do texto que chamamos de MONÓLOGO DO PAI (e que é incrível). na fala anterior a esta, ELA pergunta o que poderia ter criado nela esta estranha capacidade de sentir pena dele, é quando ELE a lembra de um acontecimento entre os dois, no passado:
.ELE Um domingo de tarde eu tinha ido te visitar você perguntou quem era meu pai
Meu pai?, disse eu, me ouviu bem, me disse
curioso, do meu pai eu só tenho lembrança, uma lembrança que sempre me volta...
eu tinha perto de nove ou dez anos
tinha chegado em casa chorando, porque uns meninos tinham me batido na rua
meu pai me disse que queria vê-los, prometeu que não ia se meter que só queria vê-los
fomos juntos caminhando até a praça. Estavam lá. Não nos viram. Papai perguntou qual tinha sido o que tinha me batido.
Mostrei um deles o maior deles para mim, que tinha bigodes
meu pai me disse e esse idiota te bateu?
Vai lá e bate nele agora mesmo
anda e fala para ele que você veio bater nele sozinho
eu olhei o menino de bigodes, me pareceu maior que nunca tive uma sensação física de debilidade enorme, sentia que ia desmaiar, tremia de medo...
Você tem que brigar com ele, anda não seja cagão, anda vai e bate nele
e quanto mais papai insistia mais eu me aterrorizava.
Agora é o momento, anda e diz que quer brigar com ele sozinho, sem os amigos, que você quer bater nele sozinho você vai ver como se encolhe, certeza que vai se encolher.
Eu não saía do terror, para mim essa cena não acabava mais, foi eterna
é provável que tenha durado apenas um ou dois minutos
só sei que num momento disse pro meu pai
quero ir embora pra casa, não tenho coragem
Certeza que não tem? Me lembro de seus olhos. Sua expressão desembaraçada, sua frustração infinita. Seu filho era um covarde.
Não tenho coragem é maior do que eu lhe disse...
não, não é maior, se você não tem coragem não se engane a você mesmo e vamos para casa... e voltamos caminhando em Silêncio junto.
Esse dia permaneceu oculto entre nós
vergonhosamente silenciado e cúmplice.
Foi a marca por onde transitou nossa história.