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sábado, 24 de outubro de 2009

Perguntas!

Sim, vamos seguir pelo comentário do Dan. Viemos aqui para confundir, não para explicar. Vamos experimentar este exercício de encenação pelo viés das perguntas, do pôr em questão, e não pensar tanto em respostas. Não queremos saber delas. Queremos expor nossas questões. Expor as dúvidas que são a nossa compreensão, a nossa leitura.

Vamos sim pela coerência pontuada pela Natássia. Devemos permitir ao público ter milhões de interpretações, mas vamos sim ter a mesma (o que não significa que ela é uma). Vou me esforçar agora para fechar uma leitura juntando todas as especulações pelas quais já passamos, especulações que juntos criamos, enfim.

A nossa leitura de Pas-de-Deux

Começo pela noção de verossimilhança. Dan Marins e Natássia Vello me sugerem, em primeiro lugar, corpos que poderiam ter sido marcados por uma relação de violência e obsessão conjugal, mais do que por uma relação entre torturador e torturada. A referência à tortura se caracteriza mais facilmente quando associada à ditadura militar, que no Brasil foi compreendida entre 1964 e 1985. É evidente que os ecos desta violência seguem no tempo, por isso PDD ainda faz muito sentido, porque o espírito obsessivo, interrogador, ele perdura no homem por gerações. Assim, ao visualizar nos dois atores mais uma relação de afeto permeada por violência do que uma relação inaugural de violência corrompida por algum afeto, me parece fazer sentido partimos então desta relação entre dois, claramente capaz de remeter a um casal de amantes, num primeiro momento.

Num primeiro momento, PDD nos revela uma relação que chegou ao fim. Aos poucos, descobrimos que fora uma relação marcada pela dependência, pela obsessão. Para além disso, o que vemos é um caso de violência presente numa relação trivial entre um homem e uma mulher, uma relação que pode ser lida também pela lente do torturador e da torturada.

Essa não literalidade, ou seja, esse não entregar de imediato o que é tudo isso, faz sentido se pensarmos na complexidade natural do ser humano. Somos seres complexos e contraditórios, às vezes simples, somos seres suscetíveis. Não há rótulos, há fundação, há personagens genuínos em jogo, em combate

Ao se pensar o casal, o que se vê de imediato é um personagem masculino, ELE, querendo a todo o momento se apoderar d’ELA, que se se vinga ao rechaçá-lo, ao não reconhecê-lo e a sequer lhe dar nome. ELA é destruída fisicamente, mas o torturador não consegue se apoderar de sua palavra. O silêncio – ou o não-reconhecimento – é a forma pela qual a vítima tortura o torturador.

Não podemos excluir nem rotular facilmente o que é essa relação. Não precisamos de classificações. Precisamos insinuar e validar estes personagens como fundadores de outros horrores e afetos possíveis. Capazes de nos sugerir possibilidades de relação que sequer pensávamos que fosse possível existir e perdurar. Não queremos o dois, não mais. Não queremos o belo e o feio. Queremos o que há no meio. E o meio é bastante coisa. O caminho do entre é profundo e nele podemos nos perder.


Da relação (compilando frases da Natássia)

ELE se apaixona pela sua fortaleza, admira-a. Ao mesmo tempo em que a vê como forte, sente-se fraco. ELE que deveria estar no controle da situação, ELE é homem. Dominá-la é uma questão de honra, para isso utiliza-se da sua força, tortutando-a. ELA precisa admirá-lo, ELA não pode sair dali e esquecê-lo. ELE não consegue arrancar nenhuma informação d'ELA, sente que ELA de alguma maneira está no controle da situação. ELE a mata porque não a deixaria sair sem tê-la desvendado, sem saber o que ELA sente, pensa, sem saber qual a sua importância para ELA. ELE a mata porque é o único jeito de dominá-la.

Que lugar é esse onde conversam? (Estão dentro de uma obra de arte). Como um pode estar vivo e o outro morto e ainda sim discutirem, tentando reconstruir o que aconteceu.? Ambos morreram. Esse é o fator complicador. Ele se matou? Ela o matou? Como? Ambos se mataram?


Da encenação

Nisso, investigamos o horror e o afeto num mesmo movimento, colocamos como questão e não como pergunta, a nossa estranha capacidade de amar e matar num mesmo gesto.

A noção de SOBREVIVÊNCIA. Para mim estão os dois personagens imersos nesse estado. Há uma dilatação do tempo, podemos assim dizer. O que vemos em 30 minutos é o tempo de 3 minutos que demora a escorrer. Ambos querem reviver o que passou porque isso dispersa o fato presente. Isso dispersa a realidade.

É - mesmo - pela noção de falta que os dois ali se estruturam. Os dois seres ali pelo o que perderam é que parecem se classificar. Eles são o que já foram. Eles são o que por eles passaram, o que por eles se perdeu. O momento presente diz respeito ao passado. O presente diz respeito ao ato de sobreviver, de restar, de durar, de ainda conseguir se manter mesmo com todas as perdas. De perdurar, de resistir e nisso também poder se reinventar.

Por favor, vamos problematizar esta visão.
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