Desenvolva o porquê d'ELE a ter matado. O que pode ter gerado essa violência, como a ação foi feita, o que a torna difícil de ser lida, o que a complexifica e nos impede de o rotular simplesmente de assassino? Como se misturam as noções de horror e afeto? Como o amor pode dar em morte?
Bom já disse várias teorias para essas questões e cada vez que penso, mais me confundo e acabo girando sempre no mesmo lugar. Antes de começar a discursar acho que deveríamos pegar todas as teorias e hipóteses dadas e escolher uma, vamos ter uma coerência de pensamento cênico. O público pode ter milhões de interpretações, mas nós deveremos ter a mesma, não? Precisamos fechar em uma leitura, senão acabaremos não tendo nehuma. Vamos concretizar esse texto nada concreto. Sendo bem objetiva no que penso de cada questão:
O porquê d'ELE a ter matado?
Ele não a deixaria sair sem que ele se fizesse importante. Ela no lugar de torturada tem uma força que ele desconhece e que lhe causa fascínio, ela não cede. Ele não consegue arrancar nenhuma informação dela, sente que ela de alguma maneira está no controle da situação, sente-se feito de idiota por ela. Nem toda a intensidade de sua tortura consegue arrancar o que está na intimidade dela. Ele a mata porque não a deixaria sair sem tê-la desvendado, sem saber o que ela sente, pensa, sem saber qual a sua importância para ela. Ele a mata porque é o único jeito de dominá-la.
O que pode ter gerado essa violência?
Ele se apaixona pela sua fortaleza, admira-a. Ao mesmo tempo em que a vê como forte, sente-se fraco, humilhado, como quando era criança e teve medo de brigar com um menino, sente-se tão covarde agora, como antes. A cada demonstração de força dela, sente a vergonha de seu pai pairando sobre ele. Ele que deveria estar no controle da situação, ele é homem e ela é a torturada, mas sente-se fraco e fascinado por essa mulher. Dominá-la é uma questão de honra, para isso utiliza-se da sua força, tortutando-a. Ela precisa admirá-lo, ela não pode sair dali e esquecê-lo. Ele precisa debilitá-la para fazer-se forte.
Como a ação foi feita?
Eletrochoque - "...a eletrecidade e seu protagonismo..."
Espancamento - "... as pancadas secas (...) cheiro de sangua coagulado (...) a música que parecia nascer dos nossos próprios corpos..."; "Sei que assim você se sentiria melhor orgulhoso de que todos soubessem que me bateu.", etc.
O que a complexifica e nos impede de o rotular simplesmente de assassino?
Que lugar é esse onde conversam? Dentro da cabeça dele? A possibilidade de ambos estarem mortos. Quando eles falam daqueles tempos, estão querendo dizer do tempo dele em vida? Como um pode estar vivo e o outro morto e ainda sim discutirem, tentando reconstruir o que aconteceu. Ambos morreram. Não existe passado entre os dois, então, quando ele "era" possessivo? Em vida? "Somos, fomos..."? Nenhum dos dois mais são? "...que mistério é o que se cruza entre nós dois..." Eles não sabem que estão mortos, estão reconstruindo a cena para que possam descobrir o que aconteceu.
"Te sufoco, te faço mal? Passa o ar? A traquéia ainda resiste?
Quantos sufocados?
Agora sim, estamos juntos, quantos com a cabelça no barro? Sem poder respirar
Corpos nus, mutilados, agora sim estamos juntos. Agora sim, agora sim.
Podemos recordar juntos, você não acha?"
Os dois estão mortos. Esse é o fator complicador. Ele se matou? Ela o matou? Como? Ambos se mataram?
Como se misturam as noções de horror e afeto?
Este é outro fator complicador da coisa. Se a relação deles é a de torturador e torturado, como poderia surgir afeto? Arrisco-me a dizer que o dele por ela parte de uma admiração, pois ela tem uma força e coragem que ele não tem, apesar de estar em estado de fragilidade, consegue dominar a situação, ou pelo menos assim ele enxerga. Ele se apaixona pela sua força, menos por ela e mais pelo que também queria ser, o afeto dele é uma obsessão, ele queria ter essa força e por isso precisa se apoderar dela. O afeto dela poderia vir com a piedade, enxerga a fraqueza e desespero dele e sente piedade, sente-se aterrorizada por esse sentimento. O mistério de suas mortes cria um elo entre os dois.
Como o amor pode dar em morte?
Não acho que seja amor.
Nat