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terça-feira, 17 de novembro de 2009

09 de junho de 2009.


Rio, 09 de junho de 2009.

Acabei de chegar do terceiro encontro com a Jéssica. Estou sem telefone e sem internet. Um dado que muda tudo, porque me faz concentrar num trabalho específico. Coisa que pareço incapaz de apreender ou pelo menos, um sofredor legítimo na tentativa de ser essa pessoa mais estudiosa e organizada.

Enfim, ao mesmo tempo, a cabeça transbordando de novas e boas e más e difíceis conclusões sobre PDD. Vamos por partes.

Não sei se já escrevi aqui, mas o amigo Andrêas Gatto não está mais no projeto. Por questões várias ele teve que nos deixar, mesmo restando o interesse mútuo desse encontro. Que terá seu tempo no seu devido espaço... Precisamos seguir. A saída dele, ao menos, me alertou para que homem é esse que preciso encontrar. E mais, que mulher é essa – Natássia Vello – que tenho.

A presença jovem da Natássia me desloca imediatamente de uma história que se dê plena no campo da relação torturador e torturada. Abre espaço de verossimilhança, mais para o campo dos amantes (homem e mulher) do que para a relação (quase envelhecida) que possa existir entre um torturador e uma vítima sua. Até porque, convenhamos, a noção de tortura em nosso país é datada, remete quase sempre – ou pelo menos majoritariamente – à ditadura (1964-1985).

Acho que vou escrever muito nesta noite. Pelo menos é o que sinto ser necessário, pensando a escrita como diálogo que eu mesmo faço comigo mesmo, na tentativa de evoluir e não colapsar desde já.

Vinho, alguma comida, algum som perdido pela casa e a coluna diante deste teclado imundo. Preciso de algo mais?

...

Algumas conclusões (são sempre precipitadas).

- A peça se inicia num momento que é posterior a tudo o que está sendo lembrando e revivido pelos corpos ali presentes. É presente, a fala é naquele instante, mas é posterior, obviamente, a tudo o que está sendo lembrado, a tudo o que naquele agora é passado;

- O momento da encenação diz respeito à percepção dele de que ela está morta. E para ela, diz respeito ao seu ser em sobrevida, ou seja, diz respeito à sua vida posterior a morte dela mesma;

- O esforço dele em lembrar e recordar de momentos e de vivências é justificado pela necessidade de combater o vazio que a morte dela fez emergir; ao passo que o esforço dela em relembrar tudo isso é tentar trazer de novo a sua existência, naquele agora inexistente, tornada espectral, fantasmagórica. Ele sente horror dela. Ela o assusta. Ela está morta;

- O que estamos agindo ali é uma relação. Que é póstuma, pois morreu, mas que era em sua totalidade o que pode ser uma relação qualquer entre duas pessoas. Há a parcela desejo, há a parcela respeito. Há afetos distintos horrores possíveis. Sinalizo, como encenador, o tênue limite entre a capacidade de gerir e gerar horrores e afetos num mesmo gesto. Sobre como somos capazes de amar e matar, num mesmo beijo, num mesmo tiro, num mesmo entre que possa haver entre esses extremos que já não se mostram mais precisos. Não se mostram mais precisos porque eu pergunto: como eu posso negar a possibilidade de amor entre um torturador e seu torturado? Como eu posso negar a possibilidade de ódio entre um homem e uma mulher? Não posso negar. As coisas podem ser, boas ou más, ou pior, classificarem-se num infinito entre-lugar. É que no caso de PDD, os amantes e os torturantes coexistem num mesmo corpo, num passo de dois.

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Algumas metodologias.
- Levantar matrizes para estimular composições e improvisações com os atores. Exemplos de matrizes já separadas: trechos do manual de interrogatório; trechos do livro diário do farol, de João Ubaldo Ribeiro...

...

Vindo no ônibus, surgiram-me muitas idéias. Seguem-nas:

...

Tudo isso para dizer que eu preciso estabelecer um link de simpatia inicial com o espectador. Para depois, no decorrer da encenação, poder lançá-lo para onde eu quiser, sem pedir a sua encenação. Primeiro eu seduzo, depois dou o bote. Eu te induzo a acreditar – pela luz, pelo cheiro, pelo ar – que caminhar por essa esquina a essa hora seja tranqüilo – e lá no fim do seu percurso eu te absurdo, e te estupro em posições inapreensíveis. Diria eu: metafísicas. Arte como estupro. Eu gosto disso.

Gente, estou demorando a deixar aqui registrado que esse encontro, lá no início, se dê – talvez – primeiro pela cenografia e pelo espaço. Como se entrando na sala de espetáculo, o espectador visse um quarto – que possa ser o da tortura, que possa ser o do casal. Mas usar o cenário pela negação, ou seja, não utilizá-lo. O que aconteceu ali naquele cenário, através daqueles objetos e móveis, já aconteceu. O que se inaugura com a peça é o posterior a isso. É na cabeça dele. Ele sequer quer olhar de novo, sequer ele quer tocar naquilo, isso seria profanar a morte dela. Seria brincar infantilmente com uma dor que ainda o conserva. Com uma perda que ainda lhe faz ser.

Caralho!
Parece tão óbvio, mas olhei na minha parede agora e transcrevo a seguir o que li:

O pássaro é livre
na prisão do ar.
O espírito é livre
na prisão do corpo.
Mas livre, bem livre,
é mesmo estar morto.
Carlos Drummond de Andrade. Liberdade.

Acho que isso diz tudo. Seria quase uma apologia à morte. Ou mais, apologia à liberdade. Incondicional. É o tipo de coisa que eu escreveria que eu a faria escrever com o próprio sangue, na parede da encenação.

Essa imagem é foda. É só porque tenho pensado nisso das marionetes, dos bonecos. A Jéssica está estudando o Manifesto do Teatro da Morte (1975) de Tadeusz Kantor. Vamos selecionar alguns pontos que estimulem a nossa pesquisa e construção estética.

Interesso-me, sobretudo, por um outro corpo. É como se houvesse um corpo dela, parado, morto. E outro, vivo, pulsante, movente. (Seu espírito, o corpo da atriz). Gosto disso... Seguir...
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