\\ Pesquise no Blog

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

13 de junho de 2009.

Ipiabas, 13 de junho de 2009.

Fiz uma viagem do Rio para Ipiabas nesta última quinta, à noite. Logo no início da viagem, ao som de Caetano Veloso e seus álbuns mais antigos, fiz uma leitura inteira de PDD. Buscava, sobretudo, ler a peça por completo, sem pensar em muitos focos específicos que pudessem me desvirtuar de uma simples leitura. E eis que lendo encontro a força dramática do texto.

Sem dúvida é o achado. Pensar o que toca o personagem ELE e o que toca ELA. No sentido de estarem revivendo tudo. Por que revivem, onde esse resgate da experiência vivida – e compartilhada – toca cada um?

ELE

Acredito que ele quer reviver tudo isso posto tenha sido nestes momentos de vivência compartilhada que ele tenha conseguido viver intensidades, calores, experiências, sentidos e afetos. Sem isso ele resta no vazio. E o vazio o aflige da mesma forma que o silencia dela, noutro momento, o tornava irascível. Acho que ele quer reviver tudo isso para disfarçar o peso cruel no qual a realidade se transformou. Ele quer reviver para esquecer, distrair, o momento presente, o vazio do presente. É preciso reviver para conseguir viver. Sem isso, é melhor estar morto. Tem uma questão ambígua, porque ao mesmo tempo em que ele quer viver de volta, por conta das experiências, das intensidades trocadas, ele quer reviver pois isto anula de imediato a constatação mais dolorosa e perversa: a de que ele a matou. Reviver o passado é tampar o espaço do presente com algo melhor do que o agora. É uma maneira de escapar. De tentar sair, pelo menos, menos ferido. Com alguma vida, que seja, possível.

ELA

Sem dúvida sempre foi mais difícil encontrar as motivações d’Ela. No entanto, assimilando a sua morte, ou seja, aceitando que ela foi morta por ele e que a peça se inicia no instante imediatamente posterior a sua morte, tudo se torna mais prenhe de conflitos e objetivos. Ou seja, temos espaço para que a sua morte seja descoberta, tanto por ela quanto por ele. Após a descoberta, teria o se reconhecer morta, num estado que denomino aqui de SOBREVIDA. E depois disso, toda a sua insistência para que exista um reviver de tudo passado, transita num espaço ambíguo marcado por duas motivações: 1ª) querer que ele reviva tudo com intuito principal de vingança, ou seja, ela o faz reviver tudo chamando atenção para o horror causado por ele; 2ª) ela querer reviver tudo justamente porque revivendo ela se torna existente, ela ainda se mantém presente, não é esquecida por completo. Acho que essa dupla, esse par de possibilidades, é incrível e dá conta da personagem, da sua complexidade. Existe constantemente a descoberta do horror e da necessidade de afeto nos dois casos, por isso são misturados. Adoro!

...

Na quarta, dia 10, eu tive um encontro com a amiga Brunella Provvidente, no qual conversamos sobre vida e trabalho. Quando tocamos no assunto PDD, ela adorou a idéia do cenário que não é tocado, quase sagrado, cenário diante do qual os atores buscam não encostar. Sugeriu alguma mobilidade possível e exclusiva ao cenário, como se uma cadeira, por exemplo, estivesse presa a apenas 10 centímetros do chão, movendo toda vez que algo passe por ela, ventando seu respirar. Ela me fez pensar nesse cenário que respira. A cena acontecendo e o cenário, sozinho, respirando, se movendo, como se alguma máquina dentro escondida pudesse sugerir um corpo vivo. Tem algo a ver com Kantor.

Surgiu também um primeiro espaço mais detalhado. Que poderia ser o espaço do corredor. Como se o trecho do quarto que interessa estivesse num meio, perdido entre os olhares, vazado, extravasado.

...

Do trabalho com os atores

É sempre o que me dá mais medo, confesso. Sinto-me, às vezes, sem força para lidar com isso. Mas é o meu trabalho, portanto, acabo sendo impelido a estudar, a rever meus medos e a gerar e gerir suas curas.

Eu funciono com metodologias. Eu preciso estipular um caminho prévio, justamente para saber lidar com as rupturas do mesmo. Mas eu preciso ter um fio a seguir. E é o que estipulei na noite deste dia 11 de junho.

- estímulo à criação dos atores;
- acúmulo de vivências/criações;
- direcionamento de materiais gerados e levantamento de cenas.

A estrutura anterior segue uma ordem cronológica óbvia, mas necessária. Meu primeiro verbo é estimular. Dar materiais que catalisem a imaginação dos atores e espaço que receba essa produção. Depois, tendo acumulado todas as possibilidades geradas, eu começo a direcionar movimentos feitos, lógicas descobertas, tempos e intenções e estimulo, por último, a chegada na cena.

Eu preciso acreditar neste território. Ele desvincula da figura do diretor a necessidade de fornecer respostas. Ele situa o ator num espaço de criação em que ele assina pelo espetáculo. Em que o seu empenho determinará a fundação e a construção que será erguida.

Por isso, estipulei um prazo de um mês para a investigação “horizontal” da peça, ou seja, para aquela pesquisa que não visa resultados, mas antes disso, que busca relações, vivências, lógicas variadas... Neste tempo inicial (que seria o mês de agosto), a idéia é segurar as definições já feitas, as decisões já tomadas. Com as experimentações, acumula-se um saber de vivências que determinará de maneira decisiva as certezas já tomadas. Estas, a partir dessa pesquisa de um mês, poderão ser modificadas. A idéia é que neste mês acumule-se material suficiente para nos certificar as nossas escolhas. São escolhas, nada aleatório.

Das certezas do projeto inicial

O próprio trabalho de desenvolver um projeto pressupõe algumas colocações que devem, pelo menos, soarem mais acertadas e não tanto soltas. Assim, alguns pontos específicos da encenação já terão sido “fechados” antes do início dos ensaios. Pontos como, por exemplo, a leitura do texto, o que se quer dizer, as intenções das falas, espaço, esboços da direção de arte, etc.

Neste mês de agosto, todos esses pontos, essas certezas já definidas, entrarão num estado de SUSPENSÃO, justamente para que após a pesquisa do mês, as certezas tenham condição de se firmarem mais plenas, sem a sombra de muitas dúvidas. Esclarecido.

...

Campos de pesquisa com os atores

1º RELACIONAL. Diz respeito ao trabalho corporal, à fisicalidade dos atores. Explorar a relação que pode haver entre os dois, a partir de estímulos ligados ao movimento (aproximações, afastamentos, vazio, preenchimento, intensidades...). Construção de partituras. O texto é de onde partem as relações mais preciosas. ESPAÇO DETERMINANTE PARA ESTIMULAR A IMERSÃO EM ATMOSFERAS QUE O TEXTO CARECE PARA GERMINAR.

2º IMPROVISACIONAL. Exposição livre da compreensão individual, em cruzamento com o outro. Propor situações claras e objetivas. Sugere administração de tempo, de sua progressão. Maneiras variadas de se lidar com um tema. MOMENTO PROPÍCIO PARA GERAR E CATALOGAR movimentos, lógicas, espaços, intenções, ações – tudo isso sugerido pelos atores.

3º TEXTUAL. Estudo poético-estrutural do texto, diferentes dinâmicas de intenção. Processo de digestão do texto, as palavras digeridas, os sentidos especulados, o íntimo do texto devastado e preservado. APROPRIAÇÃO. Poesia (metonímias, metáforas, hipérboles, rimas, repetições, zeugmas...). Estrutura (verbos transitivos e intransitivos, maiúsculas, minúsculas, pontuação, adjetivos, substantivos, sujeitos, tempos verbais...).

4º COMPOSICIONAL. Exposição guiada por estímulos precisos. Espaço de ação do acaso, ao sugerir o encontro de partes que não naturalmente se encontrariam. Espaço de digestão de materiais distintos lançados numa mesma panela e obrigados a coexistirem. Estimular a projeção de imagens, o aparecimento de novas lógicas relacionais. ESTIMULAR A GÊNESE DO CONTRADITÓRIO. Humanizar, tornar estético. VISLUMBRES DA ENCENAÇÃO.
.