Rio, 20 de abril de 2009.
O mês já está acabando. Hoje, segunda, tenho reunião com a Jéssica Baasch, cenógrafa (e penso eu, ainda figurinista, enfim, aquela responsável pela direção de arte do espetáculo).
Ousei algo para este encontro. Quero muito que ela oxigene o processo, me interesso, sobretudo, pela leitura que ela terá sobre o texto. E o meu jogo será afetado por essa leitura. Assim, levarei apenas algumas referências concretas:
. Uma é o texto Questionar-te, que já coloquei aqui;
. A outra é o nome de Francis Bacon, como referência estética;
. E por último, um pequeno texto de um fotógrafo mexicano, que define de maneira muito clara e interessante, a idéia que tenho do que possa ser View-point (mais para frente coloco isso aqui).
Ou seja, a idéia é estimulá-la, mas não dizendo o que penso, exatamente. Quando ela estiver com mais clareza, eu vou deixando a minha leitura escapar e assim teremos jogo, sem que a minha opinião já a conduza por espaços já conhecidos.
Preciso falar sobre cronograma, sobre a estréia da direção de arte ser antes da estréia da peça. Se ela estiver conosco no primeiro mês - agosto (que penso ser de pura experimentação e pouco fechamento), o trabalho pode se encerrar já em outubro. Quase dois meses antes da estréia. (Dezembro).
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Já falei com a Natássia e com o Andrêas sobre um possível encontro nesta semana. Para fazermos uma leitura do texto sob uma nova ótica, a da opressão militar e numa definição mais direta, uma leitura focada na tortura. Estudei no domingo muito sobre isso, lendo textos em espanhol sobre a peça e sobre a obra de Pavlovsky. Mudou tudo.
A ambigüidade do texto acentuou-se porque agora são dois pares num só: amante e amante e torturador e torturada. A relação “amorosa” surge da opressão, da violência. E a peça dá um percurso de nascimento e morte desta relação, destes seres. E o grande conflito, percebe-se então, é que às vezes é uma coisa (amor, desejo...) e por vezes é outra (violência, tortura...).
O diálogo de falas curtas (quem, ele, ele quem, ela, ela quem, eu falo sério, quando...) faz todo sentido sendo pensando como um interrogatório. Incrível.
Outra coisa que tem crescido é o interesse meu de pensar o que há de valores gravados no inconsciente coletivo e o possível embate da encenação contra esses valores (no caso específico de alguns, construídos de maneiras muito questionáveis).
A partir desse embate, surgiu-me uma idéia muito concreta e interessante para a arte gráfica. Imaginei um cartaz preenchido pela imagem de uma mulher (Natássia) amordaçada. (Ou mesmo, sendo calada por mãos de um homem). E embaixo, apenas um dizer que reflita esse inconsciente (inconsistente) coletivo, do tipo “Quem cala consente”.
A imagem vai contra o valor arraigado. E a encenação além de expor, desenvolver, o embate do cartaz, ainda avança mais uma perversão (sendo a perversão nossos degraus), pois converte a mulher vítima, torturada, em torturadora. Em última instância, estamos dizendo, que a violência é (ou acaba se tornando) a única saída para a vida hoje em dia. Num reflexo muito doentio da sociedade que estamos criando a partir do momento em que as relações se pautam nesse violentar. O conflito desta mulher em PDD é bizarro. Ela está entre violentar e entre resistir a este ato. Entre matar ou viver, mas sua vida neste momento diz mais do amor e este amor entre os dois é dor, antes de tudo. Ou é isso ou é mesmo morrer. A violência, a opressão, volta-se contra ela mesma. Só ela pode se ferir.
A idéia de que ela está morta é muito boa. É preciso pensar. Devo dizer, o nome Passo de Dois começa a não fazer muito sentido. Processares...
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Segunda-feira, 20 de Abril de 2009
ele e ela
tentam ali
fazer compreender
que costura é essa
que além de os fazer
também os faz sofrer
que desejo?
que não-compreender?
é possível viver de novo
e redescobrir o que é morrer?
possível de novo se chocar
e se bater
e repetir
tentar fazer compreender
o que é isso entre a gente
que nenhum nome
é capaz de dizer?
eu me ergo
estou de pé
os sapatos lustrados
tentam no mover
sentir um entender.
um sentido
por ele eu grito
sapateio e giro
eu repito
e de novo
outra vez me implico
o mesmo passo
revivo a mesma dor
sangro de novo
até achar no mar vermelho
a cor nossa
nosso matiz
o nosso amor
é isso?
repita, por favor
repita esta aquela
e essa dor
e essa dor
repetindo poderemos ver
o que era aquele silêncio
que um dos dois
não quis verter.
que silêncio era aquele
que calado no íntimo
lacrado posto impreciso
gerou a dúvida que hoje
nos gerou.
o seu silêncio era ódio
ou o seu ódio é
que era amor?
por d.liberano às 00:16
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A postagem anterior foi durante a madrugada, agora já é manhã e eu ainda me sinto tomado. Para a arte gráfica terei que produzir as fotos, mas buscando na internet alguma coisa, lembrei e encontrei fotos de tortura (recentes) da prisão Abu Ghraib, no Iraque. Segue uma arte que fiz rapidamente:
É só para pensar que a idéia do cala consentes, antes relacionada a uma mulher amordaçada, acaba ganhando mais um sentido com essa foto aí em cima. Visto que parece nos dizer – questionar – se o fato de nos calarmos está ligado ao nosso consentimento. Ou seja, transfere-se para o espectador a decisão da tortura, torna ele também responsável visto que está calado. Sei lá...
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